Brasil registrou 42 chacinas motivadas por feminicídio em dez anos
O Brasil registrou 42 casos de chacina com motivação de feminicídio, em dez anos, com cerca de 111 mulheres vitimadas em razão de serem mulheres, segundo levantamento do boletim Chacinas e Feminicídios: os casos de Realengo e Campinas.
Em chacinas com outras motivações, foram 405 mulheres vitimadas no período de dez anos, entre 2011 e 2020.
As pesquisadoras envolvidas afirmam que os números sobre chacinas relacionadas ao feminicídio estavam ocultos em meio a outras motivações para homicídios, como disputas por território e confrontos com agentes de segurança, chacinas praticadas por grupos de extermínio e milícias, massacres ocorridos em presídios, entre outros.
Segundo a responsável pelo eixo de violência do Reconexão Periferias, Sofia Toledo, no início do levantamento, em 2018, havia casos de feminicídio praticados por pessoas próximas e conhecidas, mas também muitas mulheres sendo mortas de forma violenta em operações policiais, em contextos de disputa agrária, por meio da atuação de grupos armados.
Em relação ao recorte racial dos dados, o relatório conclui que o risco de uma mulher negra ser vítima de feminicídio e homicídio é duas vezes maior do que o de uma mulher não negra. Em 2021, foram 2.601 mulheres negras vítimas de homicídio, o que representa 67,4% das mulheres assassinadas no período, uma taxa de 4,3 mulheres negras mortas por 100 mil. Essa taxa é quase 45% maior do que a registrada para mulheres não negras, que foi de 2,4 a cada 100 mil.
O crime de feminicídio definido como violência contra a mulher pela condição do sexo feminino e quando há evidências de violência doméstica e familiar, menosprezo e discriminação à condição de mulher, está previsto no Código Penal desde 2015, sancionado pela então presidenta Dilma Rousseff.
Após a análise quantitativa, as pesquisadoras se aprofundaram sobre dois casos de grande repercussão na imprensa: o Massacre de Realengo ocorrido em 2011, quando um ex-aluno entrou em salas da Escola Municipal Tasso da Silveira, atirando e matou dez meninas e dois meninos, e a Chacina de Campinas em 2017, quando um ex-marido invadiu a festa de fim de ano da família da ex-esposa.
Ele matou dois homens e nove mulheres a tiros, entre elas a ex-mulher, além do próprio filho, garoto de oito anos. Os dois assassinatos evidenciam teorias masculinistas e o ódio ao gênero feminino, como justificativas para a execução das vítimas.
Durante o processo de produção do relatório, foram percebidos relatos segundo os quais os atiradores participavam de grupos masculinistas, grupos estes que, on-line, atuam de forma organizada com uma comunidade internacional, chegando a incentivar os crimes.
Conforme explica a pesquisa, atualmente há um intenso surgimento de redpills nas redes sociais, os quais declaradamente propagam ideias de desvalorização da mulher, por se sentirem injustiçados pela sociedade que, segundo suas narrativas, move o favorecimento feminino em prejuízo do masculino.
Outro ponto importante trazido pela pesquisa aponta para o acompanhamento governamental dessas ações e a disseminação desses valores, com a flexibilização de posse e porte de armas de fogo, que marcou o início do governo de Jair Bolsonaro em 2019.
Em tramitação na Câmara dos Deputados está o projeto de lei 4266/23, que propõe tornar feminicídio um crime praticado, ou seja, autônomo — o que até então é considerado um qualificador do homicídio que contribui para aumento da pena.
O projeto altera o Código Penal, a Lei das Contravenções Penais, a Lei de Execução Penal, a Lei de Crimes Hediondos e a Lei Maria da Penha, com o aumento da pena.
As pesquisadoras avaliam que o aumento de pena não diminui os índices de violência, mas sim o fortalecimento dos equipamentos de proteção e acolhimento de mulheres nas cidades, a discussão sobre gênero e igualdade nas escolas e o trabalho preventivo de inteligência das polícias para atuar na coibição de fóruns masculinistas e na disseminação de ideias misóginas na internet.
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