O Brasil tem hoje a taxa básica de juros real mais alta do planeta, segundo levantamento feito pela gestora de investimentos Infinity Asset Management em 156 países. É de quase de 8 pontos percentuais a diferença entre a chamada taxa Selic brasileira –13,75% ao ano– e a inflação oficial acumulada em 12 meses no país –5,77%.


 No México, país com a segunda maior taxa real de juros, a diferença é de pouco mais de 5 pontos percentuais. No Chile, o terceiro, ela não chega a 5.

 Tamanha diferença passou a ser criticada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos primeiros dias do seu governo. Segundo ele, isso é uma “vergonha” e inibe a retomada do crescimento do país – uma de suas principais promessas de campanhas.

 A Selic tem influência quase que direta na vida de muitos brasileiros, dos mais pobres até os mais ricos. Isso porque ela funciona como uma espécie de taxa mínima de juros da economia. Afeta decisões de compra e investimento. Impacta na geração de emprego e até na desigualdade.

 Para um cidadão comum, o impacto mais direto da Selic em sua vida está visível em sua conta bancária. No ano passado, 77,9% das famílias estavam endividadas, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC) – é o maior percentual já registrado. E isso tem a ver com a taxa básica de juros.

 A Selic funciona como uma taxa de referência para tudo o que envolve crédito na economia. Ela é a taxa pela qual o governo toma empréstimos com investidores para custear seu funcionamento. Essa operação é considerada a mais segura disponível no mercado já que a chance de o governo não pagar seus credores é quase nula.

 Se essa é a operação mais segura, seus juros tendem a ser os mais baixos. Qualquer outro empréstimo a cidadãos ou empresas tem juros maiores já que envolvem riscos mais altos.

 De acordo com a Pesquisa de Juros da Associação Nacional de Executivos (Anefac), em janeiro, pessoas físicas pagavam em média juros de 124% ao ano em operações de crédito. Já as pessoas jurídicas, 61% ao ano.

 Essa taxa é altíssima, segundo o economista Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Anefac. Chegou a tal patamar no ano passado, em parte, por conta do aumento da Selic.

 Em janeiro de 2021, a Selic estava em 2% ao ano. Naquele mês, os juros médios cobrados de pessoas físicas eram de 92% ao ano; de pessoas jurídicas, 41% ao ano.

 Para uma família que tinha dívidas no cartão de crédito ou no cheque especial, por exemplo, a alta dos juros aumentou esse débito ainda mais. Não é à toa, portanto, que a CNC também indique que o país tem um percentual recorde de famílias inadimplentes (28,9%) e de famílias que afirmam não ter condição de arcar com suas dívidas (10,7%).

 “Com a alta do volume de endividados no contexto de inflação e juros elevados, o ano de 2022 marcou a concretização da inadimplência como um problema social”,

 Com mais famílias endividadas, falta dinheiro para o consumo. Sem consumo, não há produção; as empresas demitem; a renda circulando cai; a economia patina.

 Esse é um efeito generalizado da Selic sobre o ambiente de negócios no país, segundo Fausto Augusto Junior, economista e diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Esse efeito tem a ver com as críticas que Lula tem feito à gestão do Roberto Campos Neto no Banco Central.

 a Selic alta colabora para que exista menos dinheiro circulando no mundo real e mais dinheiro nos bancos, no mercado financeiro. Isso, obviamente, favorece aos bancos, que registraram lucro recorde em 2021, quando a Selic começou a subir.

 Parte desses lucros é puxada também pelo fato de os bancos serem os maiores detentores dos títulos da dívida pública brasileira, que é corrigida pela taxa básica de juros. Então, além dos bancos terem mais dinheiro em seu caixa porque clientes decidem aplicá-lo lá e não no mercado real, eles ganham mais porque o governo paga mais a eles quando a Selic sobe.

 Segundo o Banco Central, de agosto de 2021 a julho de 2022, o governo gastou R$ 586 bilhões para pagar os juros da dívida. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, quando a Selic estava entre 2% e 4,25% ao ano, o gasto foi de R$ 323,5 bilhões.

 O economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), disse que, em tese, os bancos também seriam prejudicados pelo aumento da Selic em sua operação já que captam dinheiro pagando juros mais altos e tendem a emprestar menos pois há menos pessoas comprando carros, casas, máquinas, etc. Fora isso, ainda precisam conviver com perdas maiores por conta da inadimplência.

 Roncaglia ressaltou, entretanto, que o mercado bancário no Brasil é extremamente concentrado, sem concorrência. Isso permite aos bancos “calibrar” suas taxas com base em todos esses fatores e seguir ganhando mesmo no cenário mais adverso para captar e emprestar dinheiro a clientes.

 “Em geral, os bancos lucram bastante em todas as situações: lucram na alta e lucram na baixa”, afirmou. “Ele vai sempre tentar, na medida do possível, defender sua margem de lucro e repassar isso para o cliente, mas também ao fazer isso pode aumentar a taxa de inadimplência. É o equilíbrio aqui que o banco tem que administrar para se manter viável.”

 Roncaglia destaca que essa busca pela manutenção do lucro mesmo em casos de alta de juros é mais fácil no Brasil justamente pela falta de concorrência. Como a pesquisa da Anefac demonstrou, os bancos cobram juros muito mais altos do que a Selic. Isso acontece porque há poucas instituições competindo no mercado de crédito. São basicamente cinco bancos: Caixa, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Santander.

 Por fim, a Selic também impacta nas contas do governo. Se a União paga mais de R$ 500 bilhões em juros da dívida, são R$ 500 bilhões a menos para construção de escolas, hospitais, Bolsa Família, etc.

 Esse gasto do governo também é um importante indutor do crescimento econômico no país, pois gera emprego e renda, que acabam fomentando o consumo, a produção. Sendo, de certa forma, distribuído entre a população.

 Já o gasto com juros beneficia uma parcela muito pequena da sociedade, como escreveu Roncaglia, em artigo publicado na Folha de S.Paulo em janeiro. No artigo, ele diz que essa pequena parte pressiona por juros altos já que se beneficia disso.

 A pressão por juros altos acontece por meio de cobranças exageradas pelo controle da inflação, por exemplo. Discursos desse tipo geram expectativa de aumento de preços, fazem com que o Banco Central aumente os juros baseado nessas expectativas e que a economia permaneça estagnada.

 “A ideia vai sendo jogada na sociedade que a taxa de juros tem que ser alta porque o risco fiscal é alto. Vai se criando uma profecia auto realizada”, disse Augusto Junior. “Se você diz o tempo todo que a inflação está alta, quem tem dúvida remarca o preço. O governo gasta dinheiro com juros e quanto mais ele gasta dinheiro com juros maior o problema fiscal.”

 Representantes das centrais sindicais e de movimentos populares foram às ruas em todas as regiões do país nesta terça-feira (21) para pressionar o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que, no mesmo dia, deu início à reunião que vai definir se haverá mudança na taxa básica de juros (a Selic). As centrais querem que a taxa, atualmente em 13,75% anuais, seja reduzida.

 As centrais querem mudança da política monetária conduzida pelo BC. O banco é presidido por Roberto Campos Neto, e o governo chefiado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não pode mudar a Selic, graças à autonomia do BC, que foi determinada em legislação assinada em 2021, ainda durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

 No ato da capital paulista, que teve a participação de Nobre, foram assadas e distribuídas sardinhas, que foram entregues à população para chamar atenção sobre os problemas causados pelos juros altos. O peixe foi escolhido para fazer referência aos “tubarões” do mercado financeiro, principais beneficiário das altas taxas de juros.
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